terça-feira, 19 de agosto de 2008

DIÁLAGOS

O Sistema S

06/06/2008 18:54:03

Delfim Netto
Talvez a maior infelicidade histórica do Brasil é não termos dado a ênfase necessária à educação. Nunca faltou promessa, faltou compromisso. Já no artigo 250 do Projeto de Constituição do Império, elaborado pela Comissão da Assembléia Constituinte (20/10/1823), afirmava-se: “Haverá no Império escolas primárias em cada termo, ginásios em cada comarca e universidades nos mais apropriados locais”. E no artigo 252, reconhecia-se a liberdade do ensino privado: “É livre a cada cidadão abrir aulas para o ensino público, contanto que responda por seus abusos”.


Tais dispositivos foram liofilizados no projeto elaborado pelo Conselho (artigo 179, XXXII): “A instrução primária é gratuita a todos” e acolhidos na mesma forma na Constituição outorgada por dom Pedro I (25/3/1824). Puro palavrório. Em quase dois séculos, avançamos muito lentamente e hoje o panorama geral da educação no Brasil resume-se a algumas pequenas ilhas de excelência, onde competimos com o melhor conhecimento mundial, cercadas por um imenso oceano de qualidade deplorável.


Agora a sociedade e os administradores eleitos – diante da mediocridade do nosso ensino revelada por testes objetivos – são obrigados a encarar com maior seriedade o problema. Começa a ser visível, felizmente, um movimento (ainda ligeiro) da placa tectônica do setor público. Começa a se revelar que o problema não é tanto de falta de recursos, mas da absoluta ausência de disposição política de enfrentar, com uma administração eficiente, o poderoso corporativismo encastelado no setor.


O ponto importante desse ligeiro tremor, que todos esperamos possa se tornar um robusto terremoto, é que ele hoje vem de fora (da sociedade) para dentro (do governo), mas foi provocado inicialmente de dentro (do governo, por sua insistência no aperfeiçoamento da avaliação dos resultados) para fora (a sociedade). Transformou-se em um importante assunto na mídia nacional. Esta mostra, diariamente, a tragédia que continuamos a impor ao nosso futuro, fingindo que a escola pública educa os jovens cujas famílias não têm condições de fazê-lo privadamente.


O epicentro desse movimento é, sem dúvida, o próprio Ministério da Educação, mas começa a ganhar maior musculatura em alguns estados (São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco, notadamente). A sua reverberação só será sentida daqui a alguns anos, porque se trata de um processo e não existe catálise enzimática capaz de acelerá-lo. Nessa matéria, o maior inimigo é a neofilia que ataca nossos pseudopedagogos.


Diante de tanta tragédia e do embaraço a que o País é submetido a cada teste internacional, de onde saímos chamuscados e envergonhados, não é possível deixar de saudar e chamar a atenção para um resultado que nos deve orgulhar. O Brasil classificou-se em segundo lugar no concurso internacional Worldskills. Trata-se do maior concurso de educação profissional do mundo, promovido anualmente pela International Vocational Training Organisation (IVTO), ao qual, em novembro de 2007, compareceram quase mil jovens provenientes de 48 países.


A que ou a quem se devem tão bons resultados? A 24 estudantes dos vários departamentos regionais do Senai: aquele mesmo que transformou um sobrevivente da seleção natural em torneiro-mecânico e preparou-o para a Presidência da República. Nossos jovens conseguiram duas medalhas de ouro, três de prata e quatro de bronze. Por último, mas não menos importante, houve sete certificados de excelência (obtiveram mais de 500 pontos dos 600 possíveis).


Fomos vencidos pela Coréia, mas superamos 46 países, inclusive o Japão, país onde se realizou o evento. Não é possível ignorar que, dos dez competidores fornecidos pelo Senai de São Paulo, nove foram contemplados, mas que as medalhas de ouro couberam a participantes de Pernambuco (Tecnologia da Informação) e do Rio Grande do Sul (Mecânica de Refrigeração). No momento em que se pensa em interferir no que se chama o “Sistema S” (que inclui Senai, Sesc, Senac e Sebrae, entre os mais conhecidos), é preciso deixar claro que sugestões para controle e transparência de seus gastos são bem-vindas, mas que a intromissão na organização e na administração do ensino, não. São 13 bilhões de reais ao ano arrecadados, provenientes de 2,5% das folhas de salários das empresas. As confederações empresariais dizem ser contra a suposta intromissão do governo. Haveria? Por quê? C.Capital.
19/08/2008

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