terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Quando seremos um país melhor (24/02)

Será que deveríamos enveredar pelo caminho do qual os americanos estão doidinhos para sair? O do individualismo exacerbado?

Os programas sociais do governo têm lugar garantido entre os assuntos candidatos a virar polêmica na eleição de 2010. Segundo a oposição, uma suposta falta de “portas de saída” para os pobres beneficiários do programa Bolsa Família poderia levar —ou já está levando— a que a concessão do benefício acabe perenizando a dependência dos menos favorecidos em relação ao Estado, aos serviços públicos de assistência e promoção sociais.

Mas o que seriam as tais “portas”? Essa discussão é fácil de ser feita no plano abstrato. E no concreto? Qual é a porta de saída eficaz para um adulto pobre —ou miserável— cuja família sofre as consequências da degradação social? O que seria uma porta de saída viável para o núcleo familiar ferido pelo alcoolismo, pelas drogas ou pela prostituição de seus filhos?

Amiúde, o debate vem contaminado pelo preconceito. Devido a um elitismo ancestral, boa parte da sociedade brasileira olha os recursos públicos da proteção social, em particular o Bolsa Família, como um desperdício. Ou um mal necessário. Cuja vigência deve ser abreviada, e quanto mais cedo melhor. Como bem diz o ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Patrus Ananias, o mesmo país que teve uma paciência de séculos para tolerar a escravidão agora se inquieta diante da perspectiva de o Estado precisar estender no tempo os programas sociais.

O Brasil é um país lindo, mas que continua a exibir algumas marcas tristes. Já conseguimos incluir maciçamente os pobres no sistema educacional, mas a criança pobre ainda recebe na escola pública um ensino inferior ao recebido pela criança rica e de classe média no ensino particular. Em outra área sensível, a saúde, as desigualdades são também enormes. Ainda que a vigência do Sistema Único (SUS) nas duas últimas décadas tenha conseguido o milagre de fazer do brasileiro pobre e doente um sujeito mais sortudo do que o seu congênere americano.

Aliás, uma pesquisa recente do jornal The New York Times e da rede de TV CBS dá pistas sobre o estado de espírito do cidadão daquele país quanto à necessidade de o poder público intervir na esfera social. A pesquisa perguntou às pessoas se o governo federal deveria prover um seguro de saúde nacional, ou se isso deveria ser deixado por conta de empresas privadas. A primeira opção teve 59% das preferências, contra 32% da segunda. O que mais impressiona é a mudança nas mentalidades. A mesma pesquisa feita há 30 anos dava à medicina privada uma vantagem de 48% a 40%.

Os Estados Unidos são um país admirável e admirado, mas em alguns aspectos nós estamos à frente. Um deles é a amplitude dos programas de apoio à população mais pobre e a rede de proteção e promoção social para os menos capazes. Os americanos construíram uma grande nação com base no princípio de cada um por si. Nós estamos ainda em fase de construção, mas já incorporamos à nossa obra nacional alguns elementos de cuja falta os nossos irmãos do norte se ressentem, por excesso de individualismo. Um defeito que agora, com Barack Obama, eles têm a oportunidade histórica de corrigir.

Será que deveríamos enveredar por um caminho do qual os americanos estão doidinhos para sair? O do individualismo exacerbado? Pois o incômodo diante da ajuda do governo aos pobres deita aí suas raízes. No fundo, ainda temos dificuldade de aceitar que os que podem menos sejam ajudados pelos que podem mais. Queremos a coesão social, a coesão nacional, mas resistimos a pagar o preço. Falamos em democracia, mas a democracia se enfraquece quando falta a noção de pertinência para uma parte.

Pensando bem, o Bolsa Família e as demais ações sociais do Estado brasileiro, nas suas diversas esferas, são um preço barato, que podemos pagar com tranquilidade. É uma fração pequena do orçamento público, diante de seus belos efeitos num país reconhecido mundialmente pela crônica e brutal desigualdade social. Melhor seria se essas políticas públicas fossem encaradas como um dado da realidade, um fato da natureza. No dia em que for assim, teremos nos transformado num país melhor.

Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.

Extraido blog do Alon

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