terça-feira, 21 de setembro de 2010

Cadê o feijão?


Um dos símbolos nacionais mais populares; para alguns, uma verdadeira instituição brasileira, traço marcante de nossa tradição gastronômica, o feijão está sumindo da mesa do cidadão. De acordo com o estudo Perfil da Alimentação e Atividade Física da População Brasileira, divulgado este mês pelo Ministério da Saúde, o consumo regular do produto vem caindo.

Rodrigo SenaEm 2006, o feijão estava na mesa de 71,9% dos brasileiros adultos, caindo para um percentual de 65,8% este anoEm 2006, o feijão estava na mesa de 71,9% dos brasileiros adultos, caindo para um percentual de 65,8% este ano
Em 2006, o feijão estava na mesa de 71,9% dos brasileiros adultos, caindo para um percentual de 65,8% este ano.

Entre as causas apontadas está a mudança nos hábitos alimentares da população, que movida no pique de quem trabalha fora, vem deixando de cozinhar e almoçar em casa, optando por restaurantes self-service e por lanchonetes fast-food.

O preparo do feijão é muito demorada. Numa analogia, enquanto a pessoa cata, lava, coloca de molho e cozinha, dá tempo de traçar um sanduíche rapidinho ou montar um prato no quilo.

Segundo a endocrinologista Taísa Macedo, a falta do feijão na mesa do brasileiro reflete a nossa hiper-industrialização. “Preferimos uma coisa rápida, prática, do que uma comida que tenha um preparo mais demorado. Acaba que a gente vai comer e também dar aos nossos filhos uma comida mais calórica, mais salgada.”

Outros estudos demonstram que a baixa no consumo de feijão já vem ocorrendo há algum tempo, em períodos alternados. Um levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) aponta que entre 1972 e 2003 a redução foi de praticamente 40%.

A mesma Conab aponta que do ano passado para cá, o consumo de feijão já caiu 5%.

A nutricionista Jocélia Cristina Guedes de Oliveira, consultora de alguns restaurantes da cidade, acredita que muitos problemas de saúde do brasileiro atualmente estão relacionados com a mudança no hábito nacional de comer o tradicional feijão com arroz na dieta diária.

“Isso está refletindo diretamente na saúde das pessoas, que estão engordando muito. O número de obesos vem crescendo consideravelmente. O feijão com arroz funciona muito bem porque existe nutrientes no feijão que são melhores absorvidos na presença do arros, e vice-versa”, analisa a nutricionista.

Quanto maior o grau de escolaridade, menos feijão na mesa

A pesquisa divulgada pelo Ministério da Saúde revela dados curiosos sobre a queda no consumo de feijão entre os brasileiros. Um deles é de que quanto maior o grau de escolaridade da população, menos se come o alimento.

Cerca de 70% dos brasileiros com até oito anos de estudo comem feijão regularmente. Aqueles que estudaram de nove a 11 anos representam 64,9% dos pesquisados. Já entre os que estudaram 12 anos ou menos, apenas 51,4% mantêm o hábito de comer feijão pelo menos cinco dias da semana.

A facilidade e a praticidade das comidas semiprontas, enlatados e fast-food ou de self-service é apontada como a causa mais provável para o sumiço do feijão da mesa do cidadão. Mais até do que a questão econômica.

A dona de casa Maricélia da Silva Januário, 39 anos, concorda com o resultado do estudo Perfil da Alimentação e Atividade Física da População Brasileira, principalmente quanto à demora de preparo do feijão.

“Surgiram outros alimentos mais fáceis de se preparar, e as pessoas passaram a preferir eles”, comenta Maricélia. “Se para fazer algo rápido, eu faço uma macarronada... a pessoa pode comer um sanduíche também”, complementa.

Ainda sobre a pesquisa, com relação ao sexo, os homens comem mais feijão do que as mulheres. Cerca de 72% entre eles, e de 60,1% para elas.

Entre as capitais, Belo Horizonte (MG), Cuiabá (MT) e Goiânia (GO) são as campeãs de consumo, com praticamente 80% da população adulta. Será que a tradição do tutu e do feijão tropeiro estão por trás disso?

As que menos comem são Macapá (AP), com 30%; Florianópolis (SC), com 35%; e Manaus (AM), com 40%.

Propriedades de tipos

O feijão é um alimento perfeito, de grande valor nutricional, ainda mais se combinado com arroz. Ele é um grão rico em carboidratos, fibras, ferro, potássio, fósforo, cálcio, vitaminas (principalmente do complexo B) e sais minerais. A leguminosa também possui alto valor calórico. Cada 100 gramas possui 330 calorias. Com relação às propriedades fibrosas, cada 100g do produto, 19g são de fibras.

Podendo ser produzido praticamente durante o ano, o feijão é encontrado em vários tipos, sendo o mais populares o preto e o mulatinho. No Nordeste, o verde e o branco são bastante apreciados. Mas existem ainda o fradinho, também conhecido como macassar ou de corda (usado no preparo do acarajé), jalo, rajadinho, canário, gordo, carioca, rabo de tatu, fava.

A dupla feijão com arroz pode substituir até os produtos de origem animal. E pode-se dizer que essa combinação acompanha o brasileiro em todas as fases de sua vida — desde o inocente caldinho de feijão com arroz dado ao bebê, até a exótica e carregada feijoada, prato nacional mais conhecido no exterior.

Dupla balanceada

A endocrinologista Taísa Macedo comenta que o prato típico brasileiro, formado por feijão, arroz e uma “mistura” leia-se carne é bem balanceada. Para ela, o mais preocupante nesse desaparecimento da leguminosa da dieta é de que forma ela está sendo substituída. “Principalmente por aquele macarrãozinho industrializado. Ou então, almoça-se sanduíche, o que a gente vê muito.” Ela aconselha aos pais comerem junto aos filhos, para que sirva de incentivo. “O arroz com feijão é uma dupla completa em nutrientes, saudável e saborosa. E a gente tem que fazer com que a criança goste. Por que a criança do interior come e o da cidade não? Qual é o segredo?”, questiona Taísa.
Izaque Ribeiro- Tribuna do Norte

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