segunda-feira, 14 de abril de 2008

MATERIA DA REVISTA MÁTRIA


O Piso Salarial Profissional
Nacional (PSPN) dos trabalhadores
na Educação
está em discussão no Congresso
Nacional desde 2007. Mais do que
um aumento salarial, o piso representa
para a categoria o reconhecimento
e a valorização dos educadores
brasileiros. O texto que tramita
no Congresso Nacional, quando
aprovado, virá para superar a
realidade de um país que consegue
a proeza de ter mais de cinco mil
pisos salariais diferentes em todo
o seu território.
De norte a sul, a situação se
altera a cada município dos estados
brasileiros. A variação dos rendimentos
do profissional em educação
varia de fronteira, sotaque
e costume. Mais do que regional
é uma questão quantitativa. Um
funcionário de uma escola de Manaus,
por exemplo, que decide se
mudar para Pernambuco, vai enfrentar
uma redução de 65% no seu
salário.
Com quase um milhão de
alunos matriculados na rede pública,
o estado de Pernambuco
apresenta os piores indicadores
no Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb) e paga os
mais baixos salários do Brasil. Em
início de carreira, um auxiliar de
serviços administrativos recebe
Manifestação em frente ao Palácio do Planalto pela aprovação do PSPN
Foto: Antonio Marques
Profissionais da educação, de norte a sul do Brasil, aguardam votação no
Congresso Nacional e torcem para que logo seja mudada a realidade da classe
Colaboraram:
João dos Santos e Silva (RS) e Nataly Queiroz (PE)
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CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2008 Mátria
PISO SALARIAL
salário-base de R$ 184,93, um assistente
administrativo, R$ 241,08,
e um professor com formação em
magistério, R$ 266,04. Se o docente
tiver licenciatura plena, o saláriobase
vai para R$ 364,06.
Se a decisão do profissional
for mais radical e ele se aventurar
a morar nas terras do Sul do País,
a situação será um pouco melhor,
mas não menos penosa. O profissional
de educação, de modo geral,
enfrenta dupla ou tripla jornada de
trabalho para complementar sua
renda.
Em Parobé, no Rio Grande do
Sul, a professora de História e de
Filosofia Ravyne Mikalauscas, 42
anos, 7 de magistério, mantém uma
rotina comum entre os professores
da rede pública gaúcha. De segunda
a sexta-feira, acorda num dia e
deita-se para descansar no outro.
“Para estar na escola de Parobé, às
7h30, preciso acordar às 6h”. Ela faz
um percurso de aproximadamente
12 quilômetros, desde o município
de Taquara, onde reside, numa
Brasília amarela, ano 1979. Ela está
apenas começando um dia de trabalho
que somente vai terminar
no início do dia seguinte. Para garantir
um vencimento mais digno,
ao final do mês, ela também dá aulas
numa escola técnica, no Centro
de Taquara. Divide o turno entre
aulas de Filosofia e o cargo de vicediretora.
Em Porto Alegre, Heloísa
Muliterno Domingues, 45 anos, 18
de magistério, vive rotina parecida.
São 50 horas semanais de trabalho
como professora de Ciências
para alunos do Ensino Fundamental
e de Biologia para estudantes
do Ensino Médio. “Minha rotina de
trabalho começa às 6h30 e termina
à meia-noite”, resigna-se.
Mãe de duas filhas, uma com
20 e outra com 19 anos, Heloísa desdobra-
se para ter um vencimento
mensal de R$ 2,1 mil. “Hoje, ganho
isso porque tenho classe D, nível 6,
GT de R$ 200 e dez horas de convocação.
Sem essas vantagens, meu
salário, mesmo com a extenuante
jornada de trabalho, estaria na casa
de R$ 1,5 mil, piso nacional reivindicado
pela Confederação Nacional
dos Trabalhadores em Educação
(CNTE) para início de carreira. “Já
vendi muito bolo para complementar
minha renda e conseguir
estudar e até mesmo para sobreviver,
depois de formada”, relembra.
Condições inadequadas
A realidade de norte a sul é
semelhante, ainda mais quando
se trata das condições de trabalho
oferecidas pelas escolas. Em Pernambuco,
grande parte das 1.105
escolas não apresenta condições
adequadas para o processo de ensino-
aprendizagem: 80% não têm
acessibilidade para estudantes
com deficiência, 60% não possuem
laboratórios de informática e 275
unidades aguardam reformas até
o final do ano (além das 72 que iniciaram
em abril de 2007).
No Sul, na cidade de Parobé,
que fica numa região de alto índice
de desemprego, convive com a
migração e a evasão escolar. Situações
do dia-a-dia que terminam
por desestimular o profissional e
até interferem na sua saúde.
Na mesma região, fica Taquara,
cidade com 53,4 mil habitantes,
onde mora a professora
Ravyne. Ela recebe R$ 670 por mês,
por 26 horas de trabalho numa escola
estadual. Renda que considera
triênios e avanços. Mesmo com a
jornada de 30 horas semanais, seu
vencimento estaria abaixo do piso
nacional de R$ 950, proposto pelo
governo federal. Na escola municipal
em que trabalha, ela recebe
R$ 1,1 mil por uma jornada de 20
horas. Somando as duas fontes
de renda, seu vencimento alcança
R$ 1,770 mensais.
Solteira, Ravyne mora com a
mãe, numa casa alugada que consome
R$ 450 mensais da sua renda.
Para complementar o salário, ela
abriu, há três anos, uma locadora
de vídeos em parceria com o namorado.
O pequeno comércio garantelhe
ao mês uma retirada em torno
de R$ 250. Mas a rotina de Ravyne
já foi mais pesada. “Há três anos,
eu dava aulas em três escolas, de
redes diferentes, totalizando uma
carga horária superior a 60 horas
semanais”, disse. Isso provocava
mudanças repentinas na sua rotina
de trabalho e de vida. Almo-
“O maior
piso salarial
é o do Acre e o
menor é o de
Pernambuco”
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Mátria Março de 2008 CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação
çar fora num domingo é um luxo
que ela tem dificuldade de lembrar
quando foi a última vez.
A dupla e, muitas vezes,
tripla jornada de trabalho é uma
das causas de adoecimento e enfraquecimento
do professor. Uma
pesquisa realizada pelo Sindicato
dos Trabalhadores em Educação
de Pernambuco revelou que dos
429 professores e administrativos
ouvidos, 56% já haviam se afastado
do trabalho por motivos de
saúde. Mais de 83%, afirmaram
que o ambiente de trabalho influi
diretamente no seu estado de saúde,
sendo 57% de forma negativa.
Esses trabalhadores apontaram os
principais problemas sendo: baixos
salários, estresse, violência,
perseguições, salas de aula superlotadas,
poeira, indisciplina dos
estudantes, pó de giz e má iluminação.
É o caso do professor pernambucano
André Joaquim. Após
anos na sala de aula, ele teve de se
afastar do trabalho por apresentar
quadro de depressão. “Sinto-me,
hoje, um fracassado por tanto esforço
para obter poucos resultados.
A realidade da escola é muito cruel
e os alunos acabam aprendendo
pouco. Por outro lado, o salário é
baixo e as contas em casa acumulam.
Passo pouco tempo com meu
filho e não pode ser de outro jeito:
preciso trabalhar em várias escolas”,
lamenta o educador.
Jornada integral com horaatividade,
mais segurança, condições
de trabalho para evitar as
doenças profissionais e maior participação
nas decisões da escola,
como eleições para diretor, conselhos
escolares e grêmios estudantis.
Estas são algumas das necessidades
dos profissionais em educação
e que estão em discussão no
texto que trata do Piso Salarial Nacional,
no Congresso Nacional.
Devido à excessiva e desgastante
jornada, o tempo dos
profissionais em educação torna-
PISO SALARIAL
Ravyne: poucas horas de lazer
Foto: Divulgação
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CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Março de 2008 Mátria
PISO SALARIAL
se curto. Na maioria das vezes, a
preparação do conteúdo a ser desenvolvido
no turno posterior, ou
mesmo no dia seguinte, acontece
na própria sala de aula. O professor
aproveita o tempo enquanto a
turma resolve questões apresentadas
para fazer a preparação.
Se o tempo para preparar
aulas é mínimo, para leituras complementares,
ele praticamente inexiste.
Ravyne conta que dedica 15
minutos diários, invariavelmente,
no início da madrugada, para ler.
Atualmente, ela dedica esse tempo
para a leitura de O Perfume, de Patrick
Süskind, e O Banquete, de Platão.
Mas a maior parte das leituras
dos professores é composta de livros
didáticos complementares,
tomados emprestados das bibliotecas
das escolas. Se o tempo para
leituras é escasso, não diferente é
o tempo para alimentação.
Tanto para Heloísa quanto
para Ravyne almoçar durante
os intervalos de trabalho é um
luxo que raras vezes se dão. Ravyne
ilustra a situação: “Às vezes,
levo almoço feito em casa ou faço
um lanche na escola, quando nenhum
dos dois é possível, como
macarrão instantâneo”. “A alimentação
do professor é muito ruim.
Geralmente, quem fica na escola
vive de lanches. Eu me sinto
uma privilegiada, pois tem gente
que trabalha em até três escolas
diferentes e alimenta-se em questão
de minutos”, conclui Heloísa.
Mesmo assim, educar é uma
escolha de vida e normalmente o
professor – apesar das condições
adversas de salários, infra-estrutura
física e de saúde – busca alegrias
no seu dia-a-dia e no fim de
uma jornada de trabalho, quando
a pergunta é: o que faz uma professora
chegar à meia-noite e dizer:
hoje eu ganhei o dia? As respostas
surpreendem. “Acho que sempre
ganho o dia”, explica Ravyne.
“Cada resposta certa dada por um
aluno renova minhas baterias”,
complementa Heloísa.
Para professores, educar é uma escolha de vida
Foto: Divulgação
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QUILOMBOLAS

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