Nestes momentos de fumaça negra no Vaticano, em que
ninguém sabe o que está acontecendo lá dentro da Capela Sistina, mas todo mundo
dá palpite e especula cá fora sobre quem vai ser o novo papa, e que rumos a
Igreja Católica tomará, é melhor passar a palavra a quem entende do assunto.
Caiu-me do céu esta manhã, quando já não sabia mais
o que escrever, um belíssimo texto do escritor e teólogo Leonardo Boff, com o
título "E Cristo chorou sobre os palácios do Vaticano", que
transcrevo abaixo.
O sábio amigo frei Leonardo, um dos fundadores e
líderes da Teologia da Libertação, que foi aluno do cardeal Joseph Ratzinger na
Alemanha no final dos anos 1960 e, em 1984, seria por ele punido num processo
movido pela Congregação para a Doutrina da Fé, a antiga Inquisição, resume
neste artigo o sentimento de perplexidade dos católicos diante dos escândalos revelados
em Roma após a renúncia de Bento 16.
Ainda bem que 11 meses após a punição, que o
condenou, quase duas décadas atrás, a um "silêncio obsequioso",
tirou-lhe a cátedra de teologia e o proibiu de escrever, Leonardo foi liberado
pelo Varticano, e assim pudemos continuar lendo os seus livros e artigos, como
o que escreveu nesta quarta-feira, recomendando aos cardeais reunidos no
conclave que leiam os sinais dos tempos para fazer as reformas capazes de
resgatar a credibilidade da Igreja.
Com a palavra, Leonardo Boff:
E Cristo chorou sobre os palácios do Vaticano
13/03/2013
Andando pelas comunidades
eclesiais de base constituídas de ribeirinhos da Amazônia, nos limites
com o Acre, lá onde viceja uma Igreja pobre e libertadora, ouvi de um líder
comunitário, bom conhecedor da leitura popular da Bíblia, a seguinte visão que
ele pretende ter sido verdadeira.
Estava um dia a caminho do centro comunitário, quando se viu transportado, não
sabe se em sonho ou em espírito, aos jardins do Vaticano. Viu de repente um
Papa, encurvado pela idade, todo de branco, cercado pelos seus principais
cardeais conselheiros. Faziam o costumeiro passeio após o almoço, andando pelos
jardins floridos do Vaticano.
De repente, o Papa vislumbrou, a uns poucos metros de distância, a figura do
Mestre. Este sempre aparece disfarçado seja como jardineiro para Maria Madalena
seja como andarilho para os jovens de Emaús. Mas o sucessor de Pedro,
afastando-se do grupo de cardeais, com fino tato, identificou logo o Ressuscitado.
Ajoelhou-se e quis proferir a profissão de fé que fez Pedro ser pedra, pois
sobre esta fé se constrói sempre a Igreja :”Tu és o Cristo, o Filho de
Deus vivo”.
Nisso foi atalhado por Jesus. Olhando o palácio do Vaticano ao longe e o perfil
dos prédios da Santa Sé, disse Jesus com voz entristecida: ”Não te bendigo,
sucessor de Pedro, o pescador, porque tudo isso não foi inspirado por meu
Pai que está nos céus mas pela carne e pelo sangue. Digo-te que não foi
sobre estas pedras que edifiquei minha Igreja, porque temia que então as portas
do inferno poderiam prevalecer contra ela”.
O Papa ficou perplexo e olhou o rosto do Senhor. Viu que caiam-lhe furtivamente
duas lágrimas dos olhos. Lembrou-se de Pedro que o havia traído duas vezes e
que, arrependido, chorara amargamente. Quis proferir algumas palavras, mas
estas lhe morreram na garganta. Começou também ele, o Papa, a chorar.
Nisso o Senhor desapareceu.
Os Cardeais ouviram as palavras do Mestre e se apressaram para amparar o Papa.
Este logo lhes disse com grande severidade: ”Irmãos, o Senhor me abriu os
olhos. Por isso, as coisas não podem ficar como estão. Temos que mudar e mudar
em muitas coisas. Ajudem-me a realizar a vontade do Senhor”.
O Cardeal camerlengo, o mais ancião de todos, afirmou: ”Santidade, iremos, sim,
fazer alguma coisa conforme a vontade do Mestre e segundo a tradição dos
Apóstolos. Amanhã reuniremos todo o colégio cardinalício presente em Roma e,
invocando o Espírito Santo, decidiremos como vamos proceder, consoante as
palavras do Senhor”.
Todos se afastaram pesarosos, vindo-lhes à memória aquelas cenas do Novo
Testamento que se referem a Jesus chorando sobre a cidade santa, que matava
seus profetas e apedrejava os enviados de Deus e que se negava a reunir seus
filhos e filhas como a galinha que recolhe os pintainhos debaixo de suas asas.
Um e outro entretanto, comentavam: ”irmãos, sejamos realistas e prudentes, pois
nos toca viver neste mundo. Precisamos de edifícios para a Cúria e o Banco do
Vaticano para recolher os óbulos dos fiéis e cobrir os nossos gastos. Podemos
negar essas necessidades? Mas vejamos o que o Espírito nos inspirar”.
No dia seguinte, quando os cardeais se dirigiam à sala do consistório, graves e
cabisbaixos, o secretário do Papa veio correndo e lhes comunicou quase aos
gritos: ”O Papa morreu, o Papa morreu”.
Nove dias após, celebraram-se os funerais com toda a pompa e circunstância como
manda a tradição. Vindos de todas as partes do mundo, os cardeais
desfilavam com suas vestes vermelhas e luzidias, quais príncipes de tempos
antigos. Depois sepultaram o Papa.
E ninguém mais se lembrou
das palavras que o Mestre havia dito e que eles escutaram. E tudo continuou
como antes nos palácios do Vaticano.
Post
Scriptum: o Espírito Santo fala pelos sinais dos tempos. Um desses sinais são
os escândalos ocorridos que exigem reformas para resgatar a credibilidade
da Igreja. Será que os cardeais no Conclave saberão ler esse sinal e dizer como
no primeiro Concílio em Jerusalém:”Pareceu bem a nós e ao Espírito Santo tomar
tais e tais decisões”? Caso contrário, o Mestre continuará chorando sobre as
pedras do Vaticano.
Leonardo Boff, teólogo e escritor
Extraido B. do Kotsch
Nenhum comentário:
Postar um comentário