Entre os 8.667 brasileiros que integravam a lista de correntistas secretos do HSBC da Suíça, em 2006/2007, há pelo menos 16 nomes da cultura nacional. Atores, atrizes, cineastas, músicos, escritores, publicitários e apresentadores de TV estão nas planilhas vazadas por um ex-funcionário do banco, informa o jornal O Globo.Um levantamento nas leis de fomento revela que muitos deles costumam receber verbas públicas para desenvolver suas atividades. Não se pode, porém, conectar o dinheiro captado aos recursos bancários na Suíça. Todas as personalidades citadas negam ter as contas. Pelas leis brasileiras, só comete crime quem não declara à Receita Federal e ao Banco Central possuir conta no exterior. Nomes da cultura nacional, ligados a música, TV, cinema e literatura, estão na lista dos 8.667 brasileiros que tinham contas numeradas - cujos donos são identificados apenas por um código - no HSBC da Suíça entre 2006 e 2007, segundo levantamento feito pelo Globo
Há casos de personalidades que, nos últimos anos, por meio de leis de fomento à cultura, como a Lei Rouanet e o Fundo Nacional de Cultura, receberam recursos públicos para desenvolver atividades artísticas. Não é possível, porém, fazer conexão entre o dinheiro captado e os recursos que circularam nas contas bancárias na Suíça.
Quatro membros da família de Jorge Amado constam dos arquivos extraídos da filial do banco em Genebra pelo ex-técnico de informática Hervé Falciani. Além do escritor, que morreu em 2001, aparecem na lista sua mulher Zélia Gattai, falecida em 2008, e os dois filhos: a editora gráfica Paloma e o escritor João Jorge. Segundo o HSBC, a conta da família na Suíça foi aberta seis meses antes da morte de Jorge e, em 2006/2007, estava zerada.
O cineasta Andrew Waddington, mais conhecido como Andrucha, também é listado como dono de uma conta numerada no banco suíço. Sócio da produtora Conspiração Filmes, ele aparece nos registros dividindo uma conta com seu irmão Ricardo Waddington, que hoje é diretor da TV Globo. Em 2006 e 2007, a conta dos dois não tinha saldo.
O também cineasta Hector Babenco surge com um registro de correntista aberto em abril de 1988 e fechado em junho de 1992.
Os atores Claudia Raia e Edson Celulari, que se separaram em 2010, são identificados como donos de uma conta conjunta que, em 2006/2007, guardava um total de US$ 135,7 mil.
LEI ROUANET E FUNDO NACIONAL DE CULTURA
O nome do ator Francisco Cuoco também aparece na lista do SwissLeaks. E ainda há mais duas atrizes nos arquivos do HSBC: Maitê Proença e Marília Pêra. A primeira consta como tendo aberto uma conta em Genebra em abril de 1990. Em 2006/2007, Maitê tinha US$ 585,2 mil em seu nome. Marília, por sua vez, aparece com um registro de abertura de conta em fevereiro de 1999. Em 2006/2007, ela dispunha de US$ 834 mil.
O apresentador Jô Soares é relacionado a quatro contas numeradas, abertas entre abril de 1988 e janeiro de 2003. Em 2006/2007, todas elas estavam zeradas. Nos documentos do banco, Jô surge associado a duas pessoas jurídicas: a Lequatre Foundation, de Liechtenstein, e a Orindale Trading, das Ilhas Virgens Britânicas. Os dois países são considerados paraísos fiscais.
Também constam na lista de brasileiros o músico Tom Jobim, que morreu em 1994. Ele dividiu uma conta com a mulher, Ana Lontra Jobim, que, por sua vez, ainda aparece como dona de outras duas contas. O publicitário Roberto Medina surge nos registros como correntista entre os anos 1990 e 2000. Em 2006/2007, a conta dele estava zerada.
Na lista, constam ainda nomes de celebridades cujas contas bancárias são de período anterior à sua condição de pessoa pública.
Com exceção de Jô Soares e Ricardo Waddington, os artistas e intelectuais listados nas planilhas do HSBC de Genebra desenvolveram ou participaram de trabalhos financiados, em parte, por dinheiro de fomento à cultura.
Claudia Raia, por meio da Raia Produções, captou, de 2009 a 2015, R$ 7,4 milhões via Lei Rouanet para os musicais "Pernas pro ar", "Charlie Chaplin" e "Raia 30 Anos". Edson Celulari, por meio da Cinelari Produções Artísticas, captou, de 1997 a 2012, R$ 2,6 milhões para as peças "D. Quixote de lugar nenhum", "Fim do jogo", "Nem um dia se passa sem notícias suas" e "Dom Juan".
A Conspiração Filmes, de Andrucha, captou R$ 13,4 milhões, conforme dados do Ministério da Cultura (MinC). O dinheiro foi liberado para projetos como "Taça do Mundo é Nossa Casseta & Planeta O Filme", "Matador" e "Eu Tu Eles".
Marília Pêra, através da Peramel Produções Artísticas, captou R$ 100 mil via Lei Rouanet para montar e divulgar a peça "A filha da...", que estreou em 2002 com a própria Marília em cena.
A HB Filmes, de Hector Babenco, captou R$ 16,2 milhões para trabalhos como o filme "Carandiru" e a peça de teatro "Hell".
Ainda segundo dados do MinC, a empresa Rock World, de Roberto Medina, captou R$ 13,6 milhões para o Rock in Rio 2013 e 2015.
A empresa M. Proença Produções Artísticas, de Maitê, captou R$ 966,9 mil via Lei Rouanet para as peças "Achadas e perdidas", "Isabel" e "À beira do abismo me cresceram asas".
O ator Francisco Cuoco já atuou em peça patrocinada em 2009 pela estatal Eletrobras ("Deus é química"). Em 2011, estrelou "Três homens baixos", com apoio da Lei Rouanet.
A Fundação Casa de Jorge Amado, que funciona em Salvador, conta com apoio do MinC. Segundo a assessoria da pasta, entre 2009 e 2012, recebeu do Fundo Nacional de Cultura R$ 477 mil e captou pela Lei Rouanet R$ 1,2 milhão.
Na mesma lei, a Fundação Tom Jobim captou R$ 1,7 milhão. O dinheiro foi usado em eventos como a exposição "Tom Jobim, música e natureza".
VALORES NO EXTERIOR PRECISAM SER DECLARADOS
De acordo com a legislação brasileira, enviar e manter dinheiro no exterior não é necessariamente um crime. Isso só acontece quando o contribuinte não declara à Receita Federal e ao Banco Central que mantém valores fora do país.
Nesse caso, o cidadão pode ser processado por evasão de divisas e por sonegação fiscal. Se tiver cometido outro crime anteriormente, também pode acabar respondendo por lavagem de dinheiro.
Por suspeitar da origem dos recursos depositados pelos correntistas do HSBC na Suíça, a Receita, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a Polícia Federal já investigam o caso.
A suspeita se deve, sobretudo, ao fato de as contas de Genebra serem numeradas, e os clientes, identificados apenas por um código alfanumérico.
Desde 8 de fevereiro, o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), composto por 185 jornalistas de mais de 65 países, publica reportagens com base nas planilhas que foram vazadas em 2008 pelo ex-funcionário do banco Hervé Falciani. As informações são do Globo.
Bog do P. Lula